A Doença Infecciosa da Bursa (IBD), também conhecida como Doença de Gumboro, é uma das enfermidades mais desafiadoras da indústria avícola mundial. Essa doença atinge a Bursa de Fabrícius (BF), um importante órgão linfoide primário crucial para a maturação das células B, comprometendo a resposta imune das aves e por consequência causando imunossupressão que resulta em redução de performance e aumento da mortalidade. Essa doença é causada por um Birnavírus, conhecido como Vírus da Doença de Gumboro (IBDV, do inglês Infectious Bursal Disease Virus). Por ser enzoótica, o IBDV sobrevive nas granjas por longos períodos, se mantendo viável durante os vazios sanitários mesmo com a correta higienização e desinfecção dos aviários. O vírus costuma se hospedar nas camas, e é resistente as principais substâncias utilizadas para limpeza das instalações, o que coloca pressão a cada novo alojamento e torna a probabilidade de desafio na granja extremamente alta.
Classificação do Vírus da Doença de Gumboro
A classificação do IBDV evoluiu ao longo dos anos, migrando de critérios antigênicos e patogênicos para métodos avançados baseados em sequências genéticas. Antes, os sorotipos mais comuns eram virulentos clássicos (cvIBDV), muito virulentos (vvIBDV) e variantes antigênicas (avIBDV), classificados com base em suas características antigênicas e patogênicas. No entanto, com o avanço da biologia molecular, especialmente com o uso de técnicas como PCR, análise de fragmentos por restrição enzimática (RT-PCR seguida de RFLP) e sequenciamento, a classificação do IBDV passou a ser determinada principalmente por análise genética.
No Brasil, a RT-PCR seguida de RFLP foi amplamente utilizada, classificando as diferentes estirpes de Gumboro em grupos moleculares, sendo os mais comuns o grupo molecular 11, associado com as estirpes vvIBDV, e do grupo molecular 15 e 16, onde estão localizadas as variantes de IBDV subclínicas, amplamente distribuídas na América do Sul.
Por sua vez, a análise de sequenciamento genético do gene VP2, emergiu nos últimos anos como uma ferramenta essencial, permitindo não apenas a identificação e classificação das cepas virais, mas também o desenvolvimento de estratégias de controle mais direcionadas. No ano de 2017, uma significativa atualização foi introduzida na nomenclatura, adotando a genotipagem por sequencias como critério principal. Os vírus incluídos nessa última classificação desenvolvida por MICHEL e JACKWOOD (2017) foram distribuídos em 7 Genogrupos, o G1, G2, G3, G4, G5, G6 e G7. Essa classificação é determinada através da análise da sequência genética do gene VP2, que é considerado o principal determinante da virulência e variação antigênica do vírus.
Hoje, o MercoLab disponibiliza essa técnica de classificação e utiliza a a nomenclatura baseada na sequência do gene VP2 proposta por MICHEL e JACKWOOD (2017). Essa abordagem moderna proporciona uma compreensão mais acurada das características genéticas das estirpes virais, contribuindo para uma classificação mais precisa e mundialmente comparável.
Cenário brasileiro e as cepas de IBDV do G4
Atualmente, as cepas subclínicas do IBDV encontradas na América do Sul, e principalmente no Brasil, são classificadas dentro do que é conhecido como Genogrupo 4 (G4). O G4 engloba uma variedade de cepas geneticamente relacionadas, compartilhando características genéticas conservadas, mas que podem apresentar variações antigênicas e patogênicas. No contexto nacional, essas estirpes G4 apresentam um elevado grau de similaridade genética com as que antes eram identificadas como pertencentes aos grupos moleculares 15 e 16. Outro ponto relevante a ser mencionado, é que apesar da classificação recente, as G4 são encontradas no Brasil desde a década de 60, mas possivelmente sendo desconsideradas nas análises clinicas à campo devido ao fato de causarem leve atrofia da BF (próximo ao causado por cepas vacinais fortes) e não causarem lesões macroscópicas agressivas e hemorrágicas.
Hoje, dentro da grande diversidade genética de cepas pertencentes ao G4 no Brasil – importante enfatizar que muitas variantes genicas não possuem diferença antigênica e nem relevância clínica – dois grandes grupos genéticos se destacam, um grupo de cepas geneticamente próximas a cepa referência MG4 (Genebank: JN982252) e outro grupo de cepas geneticamente próximas a cepa referência MG8 (Genebank: JN982251). Com o intuito de classificação e compreensão epidemiológica, os nomes MG8 e MG4 são parâmetros eficientes e discriminatório na compreensão de qual dos grupos genéticos do G4 estão presentes em um lote de aves, ou ainda, circulando em uma região. Contudo, os termos MG8 e MG4 ainda não podem ser utilizados de forma eficiente como sinônimo de virulência ou certeza de problemas de imunossupressão e queda de desempenho em lotes em que eles são identificados.
Nos últimos anos, estudos realizados no Uruguai e Argentina conseguiram associar as suas cepas de IBDV G4 com atrofia da BF, imunossupressão severa (TOMÁS et al., 2019) e efeitos negativos na imunização das aves, causando maiores danos em resposta a infecções por outros patógenos, como o Vírus de Bronquite, por exemplo (JATON, et al. 2023). Já no Brasil, estudos de caracterização das cepas nacionais ainda não foram publicados e o real impacto destas variantes subclínicas G4 não estão bem esclarecidos. O MercoLab em parceria com a Embrapa Suínos e Aves, vem desenvolvendo um estudo nesta mesma direção, identificando, monitorando, isolando e patotipando estirpes de IBDV do G4 para melhor entender sua real contribuição em quadros de imunossupressão, queda de desempenho zootécnico e perdas econômicas observados na avicultura brasileira.
Referências:
TOMÁS, et al. Antigenicity, pathogenicity and immunosuppressive effect caused by a South American isolate of infectious bursal disease virus belonging to the ‘distinct’ genetic lineage. Avian Pathology, 2019. DOI: 10.1080/03079457.2019.1572867
JATON, et al. Study of coinfection with local strains of infectious bursal disease virus and infectious bronchitis virus in specific pathogen-free chickens. Poult Sci. 2023. DOI: 10.1016/j.psj.2023.103129
MICHEL e JACKWOOD. Classification of infectious bursal disease virus into genogroups. Arch Virol. 2017. DOI: 10.1007/s00705-017-3500-4